terça-feira, 6 de julho de 2010

O DIREITO NATURAL

A chamada doutrina do direito natural, segundo Kelsen, é uma doutrina idealista-dualista do direito. Posto que ela distingue, ao lado do direito real, isto é, do direito positivo decorrente do homem e portanto mutável, um direito ideal, natural, que identifica-se com a justiça.

A natureza - geral (iusnaturalismo cosmológico) ou do homem em particular (iusnaturalismo antropocêntrico) - funciona como autoridade normativa, isto é, legiferante; logo, quem age conforme seus preceitos, age justamente. Estes preceitos são, pois, imanentes à natureza. Assim, através de cuidadosa análise, pode-se deduzir da natureza, ou seja, podem ser encontrados ou, por assim dizer, descobertos tais preceitos na própria natureza (podem ser conhecidos).

Não são essas normas, como as do direito positivo, posta pela vontade humana, arbitrária e, portanto, mutáveis; mas sim normas que já nos são dadas pela natureza anteriormente a toda a sua possível fixação por atos de vontade humana, normas por sua própria essência invariáveis e imutáveis.

Se por natureza entende-se realidade empírica do acontecer fáctico, então uma doutrina que afirme poder-se deduzir normas da natureza, está assentada num inexplicável erro lógico fundamental. Com efeito, essa natureza é um conjunto de fatos que, pelo princípio da causalidade, estão ligados uns aos outros e assim, melhor dizendo, essa condição fáctica subjacente é um ser, e de um ser não se pode inferir um dever-ser, da mesma forma que de um fato não se pode concluir uma norma. Não pode estar esta imanente ao ser, um dever-ser, que é um juízo de valor.

Só do confronto entre ser e dever-ser, entre fato e normas, podemos apreciar e valorar a realidade focalizada, qualificando-a. Enfim, dos fatos não surgem as normas, tampouco da realidade os valores. Realidade e valor radicam em domínios diversos.

A natureza não é imutável, donde, então, a imutabilidade da norma que domina toda a doutrina do direito natural?

Neste passo, transforma-se a regra do ser em norma do dever-ser, imputando desavisadamente um juízo de valor à realidade. De onde provém esta concepção naturalista do Direito? Certamente de origem metafísico-religiosa.

Destarte, a natureza (a realidade) sendo obra de uma autoridade transcendente (Deus), tendo ela uma valor moral absoluto, e sendo todo dever da natureza presidido por essa autoridade infalível, conclui-se que a lei natural é oriunda dessa fonte absoluta; daí, pois, o direito natural ser identificado com a justiça deste direito (o direito justo).

Esta visão naturalística do Direito leva-nos a uma concepção teleológica desta natureza, e o fim da natureza só pode ser pensado com a idéia de um ser promotor de tudo. Cícero já ensinava que o direito da natureza, que difere do direito positivo (real) de Roma ou Atenas, é eterno e imutável, tem Deus o seu autor e seu juiz (A República), e assim o direito seria reduzido a simples capítulo da teologia.