quarta-feira, 12 de maio de 2010

O DADO E O CONSTIUIDO

Uma das mais destacadas funções do Direito é o exercício do controle social, através da criação de normas que regularão as condutas dos indivíduos no contexto da sociedade. O professor Machado Neto vai mais além, ao sustentar que a função do Direito é: “... a de socializador em última instância, pois sua presença e sua atuação só se faz necessária quando já as anteriores barreiras que a sociedade ergue contra a conduta anti-social foram ultrapassadas...”. Com esse objetivo regulador das atividades desenvolvidas no seio da comunidade, será criado um elemento cultural, pois, oriundo do desempenho intelectual dos seres humanos, o Direito. Entretanto, a pura e simples criação do Direito não garante sua obediência. É preciso descobrir quais são os atributos que permitem a sua realização efetiva. Não se duvida que o Ordenamento Jurídico de um Estado, mesmo que não conhecido totalmente pelos indivíduos que vivem em seu território, é respeitado voluntariamente pela grande maioria da população. Tal fenômeno sociológico é muito intrigante e tem sido objeto das pesquisas de inúmeros sociólogos e filósofos do Direito. Indagam a respeito das circunstâncias que levariam a essa realidade, ou seja, quais seriam os verdadeiros fundamentos da efetividade do Direito ? Para alguns, os contratualistas, a efetividade se daria a partir da matriz criadora do Direito, vindo o homem a abrir mão de parcela de sua autonomia para viver harmoniosamente em sociedade, delegando essa parte de sua liberdade a um ente superior e aparelhado para exercer o controle social: o Estado. Esse parece ser o posicionamento de Jean Jacques Rosseau, quando afirma: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos, coletivamente, cada membro como parte indivisível do todo... Essa pessoa pública, assim formada pela união de todas as demais, tomava outrora o nome de Cidade, e hoje o de República ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado...”. Outros acreditam que somente a coação é capaz de fazer com que os indivíduos respeitem as normas emanadas do Estado, pois, viveriam em permanente receio de que sobre eles recaísse o aparelho repressor do ente estatal, trata-se da corrente clássica ou durkheiminiana. Conforme a lição de Jean Carbonnier a efetividade do Direito repousa na idéia de que: “... a norma, sendo feita para se aplicar, requer uma coação que assegure a sua aplicação. A sociedade que produz as normas produz também uma coação que se exerce sobre o que se desvia de sua observância...a coação do direito, dir-se-á então, é a que tem a sua origem num órgão diferenciado, especializado. O órgão que tem o nome de Estado nas sociedades modernas é constituído pelos governantes, pelos chefes, pelos detentores do poder.” A argumentação acima descrita talvez servisse para justificar a efetividade do Direito Penal, habitat natural das normas coativas e da repressão estatal, mas como fazer para explicar a coação em normas de âmbito privado ou as chamadas normas promocionais, que ao invés de punir o indivíduo o premiam quando executam certas atividades ? Ademais, mesmo que o staff jurídico, responsável pela aplicação do aparato judicial, utilize-se indiscriminadamente da coação, não poderá garantir o cumprimento voluntário do Direito, como bem demonstra Manfred Rehbinder: “Los medios coactivos conducen, por lo general, sólo a la imposición de la norma, pero no a su acatamiento. Si el Derecho normativamente válido debe transformarse también en eficaz, entonces no es suficiente para eso la protección de retaguardia del staff jurídico, la possibilidad de la imposición de la norma en caso de necessidad.”. Existe, ainda, uma vertente sociológica encabeçada por NiKlas Luhmann, um estruturalista para quem o Direito se efetiva e se torna legítimo através da utilização do procedimento, que formalmente iguala a todos os indivíduos, dando-lhes possibilidades idênticas de se submeter às formas de resolução de conflitos estipuladas pelo Estado. O grande problema da teoria de Luhmann é o fato da despreocupação com os aspectos materiais envolvidos nos conflitos de interesses contidos no meio social, despreza, portanto, as desigualdades materiais existentes entre os membros da coletividade, além de partir da premissa errônea de que eles aceitarão as decisões do aparelho estatal somente porque tiveram acesso ao procedimento. Finalmente, há de mencionar a teoria da racionalidade progressiva, de autoria de Max Weber, que embasa sua teoria sobre a efetividade do Direito numa implementação gradativa da compreensão dos fatos jurídicos pelos indivíduos, envolvidos em um processo de evolução tendente a levá-los de um estágio de irracionalidade, onde aceitariam as normas jurídicas sem qualquer questionamento, a um outro patamar de ampla racionalidade, onde suas condutas se amoldariam às normas por escolhas conscientes. Entendemos ser essa a teoria que mais se adapta aos modernos contornos das Ciências Jurídicas, mas será preciso complementá-la com outros elementos que ajudarão a análise do problema, bem como não desconsiderar que o contrato social, a coação e o procedimento são meios auxiliares para garantir a efetividade do Direito.